1958: O ano em que Nova Andradina descobriu o Brasil

O ano era 1958. Com Pelé e Cia, o Brasil se tornava Campeão Mundial pela primeira vez na história. Nos Estados Unidos, era inaugurada oficialmente a NASA. Em Liverpool, na Inglaterra, o Cavern Club recepcionava os "Quarrymen", que tinha entre seus integrantes os ainda desconhecidos músicos John Lennon e Paul MacCartney.

Entre outros acontecimentos, o nascimento de Nova Andradina em 20 de dezembro de 1958, acompanhava a passagem da primeira metade do governo de Juscelino Kubitschek e a morte de Marechal Rondon, conhecido como civilizador dos sertões.

Nova Andradina, prazer

Em meio a tantos episódios, foi em 1958 que o fazendeiro Antônio Joaquim de Moura Andrade, por meio da Lei nº. 1.189, tornava-se oficialmente o fundador do município de Nova Andradina. Em 30 de abril do ano seguinte, a co-irmã de Andradina (SP) - também colonizada pelo pecuarista - ganhava espaço no antigo estado de Mato Grosso, quando se desmembrava da comarca de Rio Brilhante, pertencente município de Bataguassu.

Antes de chegar às terras que hoje formam Nova Andradina, Moura Andrade havia iniciado seus trabalhos de colonização em Mato Grosso no final da década de 30, quando adquiriu a Fazenda Caapora, que mais tarde passou a ser conhecida como Fazenda Primavera, localizada nas proximidades da baía do Rio Samambaia, no vale do Rio Paraná, onde mais tarde o pecuarista iniciaria a construção de um porto fluvial.

Anos depois, Moura Andrade aumentou seu domínio territorial adquirindo as fazendas Santa Bárbara, Xavante, Panambi e Baile. Seis anos mais tarde, em 1957, o colonizador desmembrou uma gleba da Fazenda Baile e deu início aos trabalhos nas terras que hoje formam Nova Andradina.

Após este processo, foram loteadas outras propriedades rurais, oferecendo vantagens aos migrantes. A ação culminou em uma veloz povoação da região, contando com um relevante número de paulistas, paranaenses, mineiros e principalmente nordestinos, que se deslocaram ao então embrião da "Cidade Sorriso".

"O passado é um requinte presente na memória de muitos"
Primeiras construções nos anos de 1950 (Foto: Arquivo)

Passados 53 anos, o historiador Claudinei Araújo dos Santos, no artigo "Uma cidade e muitas Histórias", destaca a formação da sociedade nova-andradinense através dos "desbravadores, homens de gana, de paixão pela terra, relevantes ao processo de colonização".

"Neste sentido, vale ressaltar os quantos homens e famílias foram essenciais para o crescimento e desenvolvimento de Nova Andradina, suas influencias e seus embates em diversos ramos de trabalho", observa. 

"Não obstante, é necessário lembrar que não apenas dos compradores e vendedores de madeira e gado foi construído o espaço, mas também daqueles que cortavam a madeira e campeava o gado no pasto, ou seja, o trabalho manual, a mão-de-obra, é um fator indelével do passado de uma cidade", escreve Santos.
O historiador também comenta sobre "a necessidade do reconhecimento aos que de alguma maneira contribuíram para a construção de Nova Andradina, vislumbrando não apenas quem comprou e edificou este ou aquele estabelecimento, mas também os participantes e fortes colaboradores para a realização da situação".

"É preciso que a nossa história identifique os motoristas de caminhão de tora, o da patrola, do jipe, identificar as casas de madeira que o tempo está a ruir, principalmente no Bairro Vila Operária de Nova Andradina e precisa ao menos ser fotografado e entregue ao museu municipal. Parece banal, mas a zona de baixo meretrício de Nova Andradina, ainda faz parte de uma história presente, de maneira alguma pude ver ressaltado na imprensa as mulheres que um dia foram essenciais para o lazer de políticos, delegados, fazendeiros e outros. Indicamos ainda questionar senhores já bem velhinhos em lugares bem recantados de Nova Andradina. Por exemplo, alguém sabe o porquê de antigamente a Vila Operária, ser chamada de MALOCA? Legal. Eu sei. Ahhh, e sei também quem sabe. Indaguem a memória popular. O passado é um requinte presente na memória de muitos", finaliza o historiador.

Memórias de um nova-andradinense congênito 

Aos 78 anos de idade, Osvaldo Dutra vive até hoje na companhia de uma das filhas, do genro e da neta na Fazenda Jaboticabal, local onde nasceu no ano de 1933. As terras ficam localizadas na região da nascente do Rio Samambaia, que no século passado também era conhecida como "Passo da Pátria".

O nova-andradinense congênito e católico fervoroso se orgulha ao contar sobre os seus primeiros passos; uma história que narra o nascimento da cidade de Nova Andradina.
Dutra recorda uma frase dita por Moura Andrade, nos primórdios de Nova Andradina, que marcou sua memória. "Ele disse: vamos fundar aqui a Cidade Baile, pois é uma região boa, mesmo com os contratempos, deverá ir para frente, pois as coisas bem começadas, sempre dão certo", afirma ele ter ouvido da boca do pioneiro.

Em seguida, o que era para ser a "Cidade Baile" passou a se chamar Nova Andradina, devido à ligação que o fundador tinha com o município de Andradina (SP), também colonizada por Antônio Joaquim de Moura Andrade.

Dutra também se recorda com saudosismo dos tratores de esteira abrindo a Rua José Heitor de Almeida Camargo, sentido à Fazenda Baile, nos anos de 1955 e 1956. 

"As primeiras maquinas com correntão foram usadas na construção da pista de avião da Fazenda Baile, local onde Moura Andrade descia com sua aeronave trazendo alguns paulistas, mineiros e nordestinos, todos interessados em desbravar a região e ajudar na construção da cidade", conta ele.
Cemitério localizado na Fazenda Jaboticabal preserva a história de pessoas sepultadas no século passado (Foto: Almir Portela/Nova News)

O pioneiro é responsável por um acervo que se encontra disponível no Museu de Nova Andradina. Ele também contribuiu com a doação de armas antigas, documentos e fotos do início da construção da cidade. 

Um fato desconhecido por grande parte da população está no cemitério preservado em sua fazenda, onde estão os restos mortais de pessoas que chegaram à região nos primeiros anos do século passado.

"Quem não acreditou em Nova Andradina caiu do cavalo"
"Eu creditei em Nova Andradina" (Foto: Almir Portela/Nova News)

"Eu acreditei muito em Nova Andradina, aqueles que não acreditaram caíram do cavalo". Foi com essa frase que Maurílio Xavier Mendonça, de 80 anos, comentou sobre a época em que chegou à "Cidade Sorriso".

"Recordo-me muito bem, foi em 05 de novembro de 1959, quando cheguei de Marília (SP) e vim para trabalhar. Fui empregado por cerca de oito anos, em seguida comecei a cuidar de meu próprio negócio", relembra. 

"Cheguei para abrir as primeiras ruas"

Joaquim Soares, o "Bebé", de 75 anos, também foi um dos que contribuíram para o nascimento de Nova Andradina. Descendente de baiano, ele chegou à Fazenda Baile em 1957 para operar o trator esteira, na abertura das primeiras ruas de Nova Andradina, a convite do fundador.
Sena: Uma paixão (Foto: Almir Portela/Nova News)

"Cheguei aqui a convite do Joaquim Moura Andrade. Vim para operar trator de esteira, um caterpillar internacional. Foi com ele que abrimos a maioria dessas ruas que você esta vendo ai", aponta Soares.

Apaixonado por futebol, Joaquim destaca com saudades a época em que defendia a equipe do Sena (Sociedade Esportiva de Nova Andradina). "Esse time sempre foi e será a minha grande paixão. Pena que depois que foi campeão em 1992, nunca mais vi um momento de glória dele", afirma Bebé.

Questionado sobre o que espera do futuro, Soares ressalta que gostaria de viver mais alguns anos para ver a cidade que ajudou a construir cada vez mais bela.

Os bares no final da Guanabara

Outra personagem que conta um pouco da história de Nova Andradina é a paranaense de Piraí do Sul, Maria Monteiro, de 66 anos, que chegou à região no início dos anos de 1950 acompanhada por amigas.

Ela tinha o intuito de fazer a vida tocando bar, que em sua maioria eram frequentados por homens em busca de prazer e diversão.

"Era um quebra galho, uma grande ilusão. A maioria dos frequentadores daquela época vinha de outros estados trazidos por 'gatos' (pessoas responsáveis por empreitadas de serviços) para trabalhar na região realizando derrubada de mata, principalmente em Ivinhema", diz.
"Tudo não passou de ilusão" (Foto: Almir Portela/Nova News)

"Eram uns pobres coitados que recebiam seu dinheiro e nos finais de semana vinham aqui se divertir conosco. Muitos não tinham lugar onde ficar, às vezes bebiam demais e dormiam aqui mesmo", conta Mariazinha, como também é conhecida.

Questionada se guarda boas lembranças e se sofreu algum tipo de discriminação, Maria Monteiro diz que não sente saudades da época. Segundo ela, "tudo aquilo não passou de uma grande ilusão e de muito sofrimento". 

"Era até engraçado, pois o nosso meio de transporte mais popular na época era uma charrete e, quando as pessoas da sociedade viam mulheres andando nelas pelas ruas de Nova Andradina, já sabiam quem éramos e como vivíamos. Sabiam que éramos do final da Guanabara", responde em tom bem humorado.

Mariazinha lembra que a opção mais popular nos primeiros anos de Nova Andradina era o famoso "Bailão do Zé Maria", realizado em um salão acima da antiga Avenida Guanabara, atual Avenida Alcides Menezes de Faria.

Maria Monteiro - como grande parte das pessoas que contribuíram para a edificação de Nova Andradina - mora no mesmo lugar desde que chegou à cidade e sobrevive com o dinheiro que recebe de sua aposentadoria. 

Assim, Nova Andradina completa neste 20 de dezembro 53 anos repletos de protagonistas e coadjuvantes. Entre a Lagoa do Sossego e o Passo da Pátria, muitos fatos transcorreram. Entre a loucura e a lucidez, muito se sucedeu.

Nos papéis desta trama que teve início há mais de 50 anos, atuaram nordestinos, paulistas, gaúchos e muitos outros, que além de erguerem uma cidade, construíram uma História.

É certo que muitas dessas histórias ainda não foram contadas. Também é fato que Nova Andradina soube ser grande quando precisou. Muito além dos muros e das grades, a cidade, ao lado de seu povo, a cada dia se torna uma nova Nova Andradina...

....e é desse modo que a História continua sendo escrita