Do carro de boi ao eldorado da indústria, Angélica renasce com a cana

Campo Grande News


Antônio de Jesus é testemunha da transformação do município. Ele viu carros de boi e agora os caminhões. (Foto: João Garrigó)


O sergipano, que em terras sul-mato-grossense ganhou o improvável apelido de Gaúcho, testemunhou por décadas os vizinhos abandonarem o município diante da falta de oportunidades da economia restrita à agropecuária e à soja. Agora, o eldorado econômico atende pelo nome de cana-de-açúcar, atraindo mais e mais pessoas em busca de uma vida melhor.Ao som das “modas” tocadas na sanfona, o peão Antônio de Jesus, de 75 anos, viu da janela de casa os carros de boi virar caminhões com destino a Angélica, município a 263 quilômetros de Campo Grande. Não foi apenas uma mudança de paisagem, mas de perspectivas.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que enquanto entre a década de 1990 e início da de 2000 a população reduziu, de 2008 a 2010 muitas pessoas fixaram endereço no município. Em 1991, Angélica tinha 8.834 habitantes. Nove anos depois havia 7.356. Em 2007, e só ficaram 7.253. Já em 2010, o Censo indicou 9.170 pessoas.

Gente que refaz os passos percorridos por Antônio há 40 anos. Mas ao contrario do peão, que fez a vida graças à lida no campo, só conseguiram oportunidade graças à industrialização. São homens e mulheres que vieram trabalhar na Usina Adecoagro, inaugurada em 2006. A multinacional gera 2.700 empregos diretos, que garantem o sustento das famílias e faz o dinheiro circular, dando novo fôlego à economia local.

“A cidade estava acabando. Todo mundo indo embora. Não tinha mais comércio, mais nada. Agora, está crescendo”, relata Leandro Teixeira, de 34 anos. Ele sentiu na pele a falta de oportunidades. “Tive que ir para o interior paulista. Retornei a Angélica em 2008 por causa do emprego na usina, que produz açúcar, álcool e energia”, conta. Um ano depois, sua esposa também veio para Angélica, onde trabalha em uma indústria do setor têxtil. A empresa confecciona roupas para uma rede de lojas.

O aquecimento da economia também permitiu que José Vieira da Silva, de 61 anos, voltasse para a casa. Depois de ter que dizer adeus a terra natal ele foi tentar a sorte em Americana, no interior de São Paulo. O retorno ocorreu depois de duas décadas. Empreendedor, José montou uma serralheria, empregou quatros pessoas e faz de tudo um pouco, incluindo serviços para a usina. Em breve, ele trará a esposa e o filho.

José Vieira retornou à Angélica após duas décadas no interior paulista. Atento às oportunidades, abriu um negócio e já emprega quatro trabalhadores. (Foto: João Garrigó)

“Aqui tem espaço para todo mundo que quer trabalhar”, atesta a empregada doméstica Maria Eunice Santos Silva, de 52 anos. Natural de Nova Andradina, ela trocou de cidade e comemora o novo endereço, que agora corresponde à casa própria. Maria mora na residência que constrói junto com o esposo em um dos 500 terrenos doados pela prefeitura. Ela trabalha para um casal de funcionários da multinacional. Os dois filhos são empregados da usina e o marido é pedreiro.

A confiança no futuro segue no ritmo dos caminhões da Adecoagro, que o peão e sanfoneiro Antônio vê passar diariamente na avenida em frente de casa, no distrito de Ipezal. Mais recentemente, também trafegam na Presidente Vargas veículos ligados à obra de pavimentação dos 32,51 quilômetros da MS-274 que integram o distrito à área urbana do município.

Sonhos e conquistas - Casa própria, carro, computador, televisão moderna: itens que deixam a lista de desejos para virarem realidade entre os trabalhadores de Angélica.

“A gente ficava num barraco alugado. Há três anos meu pai comprou dois terrenos e construímos aqui. Depois vamos construir a nossa casa”, planeja o borracheiro William Rebouça dos Santos, de 17 anos.

Wanderlei Pereira dos Santos, de 37 anos, saiu de um sítio em Glória de Dourados e trabalha desde 2010 na usina. Com o salário de operador de máquinas conseguiu comprar um carro popular ano 1996 à vista, computador e móveis para a casa alugada no bairro Paloma, nascido exclusivamente por causa da grande procura por imóveis por funcionários da Adecoagro.

Gilmar e a esposa comemoram o emprego com carteira assinada, a casa própria e o casamento. (Foto: João Garrigó)

Quem também mora no Paloma é Gilmar Pereira Lopes, de 29 anos, e a esposa. A felicidade do casal tem o formato de um imóvel com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. A casa foi financiada pela Caixa Econômica Federal. “É um sonho realizado. Estou recém-casado, tenho minha casa e minha moto”, relata Gilmar, que trabalha como operador de maquinas e há três anos trocou Deodápolis por Angélica.

Além de comemorar a carteira assinada, plano de saúde, refeição, uniforme e outros benefícios oferecidos pela usina, Everton First Tiburcio também conquistou uma família. Ele se casou em 2010, já tem um terreno e quer a casa própria. “Estamos lutando para construir nossa casa”.

O pai do jovem, que trabalha na área de segurança patrimonial da empresa, foi quem falou sobre a oportunidade profissional. Everton não desperdiçou e agora se considera realizado. “Sou feliz porque agora estou com a minha família”.

O jovem deixou Campo Grande em 2009 para mudar de vida. Após fazer curso na própria empresa, começou como operador de maquinas. Hoje, é ele quem ensina àqueles que estão começando.

Crescer, crescer, crescer - Os novos tempos também refletem no restaurante dos Dalawi. O estabelecimento, que chega aos 19 anos, começou com duas portas. “Agora compramos a esquina”, conta o empresário Danilo Dalawi, de 24 anos, que também trabalha com buffets, coquetéis e já forneceu 900 refeições para a usina.

Atualmente, o restaurante vende 200 refeições por dia para funcionários de órgãos públicos. Diferente do que normalmente acontece com jovens que moram no interior, Danilo não pensa em se mudar para a cidade grande. “Aqui estava difícil, o comércio fechando. Agora a situação é outra”.

Dona de farmácia há três décadas, Ana Maria Corvellone, de 60 anos, também precisou se adequar ao novo cenário. “As vendas aumentaram em 60%”, diz. Para não perder clientes, Ana Maria passou a comprar mais mercadorias e a vender também através de programas do governo federal, como o Farmácia Popular.

Casas do bairro Paloma construído para trabalhadores da usina. (Foto: João Garrigó)

Comerciante do ramo de materiais de construção, Francisco Geraldo Rodrigues Filho percebeu a percebeu a falta de imóveis para quem chegava à cidade e transformou o problema em oportunidade. Loteou uma chácara de 48,8 mil hectares e construiu 148 casas em dois anos.

Para erguer os imóveis, o empresário trouxe trabalhadores de Juara(Mato Grosso), do interior de São Paulo e Naviraí. “Dei respaldo financeiro e de saúde”. As residências, conforme Francisco, estão quase todas vendidas e 99% são financiadas. O público alvo é formado por funcionários da usina e terceirizados.

As casas, de diferentes modelos e tamanhos, custam, em média, R$ 75 mil. Francisco salienta que o setor imobiliário tem potencial para um crescimento ainda maior em Angélica. “Aqueles que ganham mais foram para Ivinhema, que oferece mais estrutura”, revela.

A prefeitura doou 500 terrenos para pessoas que comprovassem condições de construir a casa própria e o governo estadual fez mais 150 imóveis populares.

Cinco mil empregos - Para os próximos anos, a Adecoagro já tem planejado o seu plano de expansão. Com a inauguração da unidade de Ivinhema, prevista para 2012, a multinacional vai gerar cinco mil empregos direto, total que seria suficiente para empregar, por exemplo, toda a população de Novo Horizonte do Sul.

Já a produção das duas usinas devera chegar a 10 milhões de toneladas a partir de 2017 com o total de 52 mil hectares de área plantada. Responsável pelo recrutamento e seleção dos trabalhadores, a psicóloga Andrea Duarte Martins afirma que o principal entrave para a contratação de mais pessoal é a escassez de mão de obra capacitada.

“Temos dificuldade para encontrar profissionais qualificados. Mas oferecemos treinamentos. Por exemplo, 100% dos nossos operadores de colhedoras foram treinados pela empresa”, conta.

Máquina e colhedora operadas por trabalhadores capacitados pela empresa. A colheita da cana é o segundo passo do processo que tem transformado Angélica. (Foto: João Garrigó)

Também são treinados pela multinacional motoristas e tratoristas. A oportunidade de aprendizado não foi desperdiçada por João Luís Requeno, de 22 anos. Ele tinha acabado de ser contratado quando falou com a reportagem.

“Vou trabalhar na logística. Não tenho curso, mas eles dão. Vou fazer o curso na próxima semana e depois já trabalhar com checagem de cargas de açúcar dos caminhões”, garante.

De acordo com a psicóloga Andrea Martins, a política da empresa é de contratar mão de obra local. A usina quer a instalação de uma unidade do Senai (Serviço Nacional da Indústria) em Ivinhema, para facilitar o processo de seleção.

Andrea nasceu em Mato Grosso do Sul, foi para o interior de São Paulo e voltou ao Estado para trabalhar na usina. Ela explica que profissionais com cargos de liderança foram trazidos de outras cidades devido à experiência no ramo, mas, alguns funcionários locais já subiram de posição.

Desafios de cidade grande - Prefeito de Angélica, João Donizeti Cassuci (PDT) enfatiza que a diversificação da economia foi a responsável pela cidade voltar a se desenvolver. “Quem saiu na década de 90 até 2005 está voltando. Quase todos por causa da usina. Ninguém ia voltar sem emprego”, afirma.

Para a administração municipal, o crescimento trouxe desafios de cidade grande. “A coleta de lixo aumentou exageradamente. Antes da usina, o caminhão passava duas vezes por semana, agora são seis e expediente durante o dia todo. E não estamos dando conta”, revela o prefeito, que teve que contratar mais garis para o serviço.

Também aumentaram os gastos com saúde pública e a necessidade de ampliar número de vagas nas creches e escolas.

Em contrapartida, apesar de a população ter aumentado, os repasses financeiros continuam os mesmos. Segundo o prefeito, o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) ainda é de 0,06%. “O número de habitantes não extrapolou o limite para aumentar”, explica.